Foi muito por acaso que vi um discreto post dela e resolvi abrir mão de minha elegante – e confortável – discrição. Inbox, perguntei se estava tudo bem. Foi assim que eu soube que no primeiro mês de sua preparação para o que seria a felicidade suprema, ela se viu diante do medo supremo. Soube que, sem alarde, a vinda da felicidade precisou ser antecipada para que, enquanto ela cuidava da recém-chegada felicidade, ao mesmo tempo  tão pequenina e tão grande,  pudesse cuidar, também sem alarde, da causa do medo supremo, esse medo que eu tive um dia, mas no caso dela, medo dobrado, cujo cuidado exigiu separação momentânea da felicidade. Medo que me mostrou, como está mostrando a ela, que mesmo em meio à dor, é possível encontrar força e equilíbrio. É possível viver o medo, viver a dor e nem por isso perder a certeza da existência da felicidade.

Nem sempre fui indiscreta assim. Tento, ainda – hábito antigo e arraigado em mim – exercer minha indiscrição com alguma elegância e vou me aproximando aos poucos, respeitando o ritmo com que sou recebida. Penso que, no máximo, vou levar um fora e me recolher. Desde que comecei a tentar, nunca levei um fora, mas nem sempre tive essa coragem. A indiscrição que não me era natural foi das coisas que aprendi quando vivi a situação semelhante à dela, mas bem mais amena que a dela. Pessoas me abraçavam, vinham me dizer que torciam por mim, que estavam a meu lado, pessoas me enviavam inúmeras mensagens – tinham sabido por fulano ou beltrano – e depois me diziam que haviam ficado felizes por meu retorno, felizes por ter dado tudo certo. Algumas, pessoas de quem eu nada esperava. Pessoas, pessoas e mais pessoas… Como foi importante cada dose de amor, cada dose de carinho que recebi de cada uma das pessoas que se dispuseram a ser gente diante de meu medo, que se dispuseram a ser indiscretas e não tiveram receio de chegar perto de mim e me abraçar. Dose de amor trata a gente e é remédio poderoso, faz a gente perder o receio de mostrar o amor que existe em nós. Foi assim que perdi o meu.  A cada dose que recebi, pensava: tantas vezes fiquei quieta diante de situação semelhante, com receio de ser indiscreta, receio de ser invasiva… Torcia sim, internamente, às vezes intensamente, mas era torcida de que o outro, que sofria, não tinha conhecimento. Aprendi, com cada uma dessas pessoas adoravelmente indiscretas, a mandar a discrição às favas diante de algumas situações. Aprendi que mais importante que mostrar elegância é mostrar que a gente se importa. Elegância pode facilmente passar por indiferença (e às vezes é indiferença mesmo!).

Quando a gente vai ao encontro do outro e se importa, acaba aprendendo muito. Aprende que, talvez, aquilo por que passamos tenha sido muito, mas muito pequeno, se comparado àquilo pelo que outros estão passando; aprende, mais uma vez, que é prudente tratar o outro com gentileza, porque a gente quase nunca tem ideia do redemoinho em que a vida ali ao lado está navegando; aprende que o sofrimento pode ser duro, mas que ele alarga a alma (“há rachaduras em tudo e é através delas que a luz entra”, dizia um dos meus poetas mais queridos); aprende que a vida não é feita só de alegrias, mas quem gosta da vida entende qual é a função das rachaduras e chega até a ser grato por toda a luz que as rachaduras trouxeram para o peito; aprende que o valor de uma vida tem muito a ver com a maneira com que essa vida lida com o pacote completo da Vida, com que recebe a alegria e a vive, com que recebe a dor e de que forma a vive. Vive, enfim, as partes desse todo que é o que é, mas todo que pode ser melhor se tentarmos ser melhores do que éramos antes que cada uma dessas partes caísse em nosso colo.

É sempre muito bom ver alguém brilhar na alegria, ver alguém receber a alegria com sabedoria – há, aí também, certa elegância de que alguns são providos e outros não. Mas ver, em meio ao breu da adversidade, alguém ter elegância e nobreza – essas de dentro, as que valem -, é ver uma luz diferente: branda, mas perene, luz que inspira e se propaga. Essa luz entra pelas rachaduras da gente e transborda. Em mim, hoje, transbordou. Saiu pelos olhos e me fez ter vontade de pedir a cada pessoa um mundo mais indiscreto, um pouquinho menos elegante, mas bem mais acolhedor, mundo que se importe.

***
Com enorme carinho e certa dose de indiscrição, para a moça que me ensinou a fazer os melhores brownies e que vai fazer muitos e deliciosos outros brownies, por anos a fio, para o seu pequeno e lindo motivo de brilhar.

***

Este vídeo, com que esbarrei “por acaso” – às vezes duvido do acaso – depois de esbarrar com o post da moça, tem tudo a ver com tudo isso. Terminei a conversa com a moça pensando tudo isso, escrevi o texto acima  e em seguida, sem procurar, esbarrei com a Viviane Mosé dizendo tudo isso. Sincronicidade também é parte da beleza da vida.