Era exatamente assim: cozinhar lhe coloria a alma. Os aromas, as cores, as especiarias. Um mundo inteiro de possibilidades e elementos a serem combinados e nesse mundo ela era criadora, não devia obediência a nada, não havia regras, tudo era intuição.

A cada preparo que saía do forno, da panela, comida bonita e cheirando bem, mais algumas pinceladas de cor na alma. A alegria com cada resultado! A sensação de que as pessoas ficariam felizes ao comer. Era isso: ia fabricando, assim, instantes de felicidade com que poderia presentear aqueles que queria bem.

Sentia-se meio maga ali e por vezes se perguntava por que eram tão naturais, em si, as escolhas de ervas, de especiarias, as quantidades de ingredientes, quase tudo medido a olho, o ponto do sal e das massas… Sua mãe sempre lhe dizia que ela tinha mãos abençoadas para massas e era bom ouvir isso -“abençoadas” -, pois era assim que se sentia produzindo alimento: benta por alguma força boa. Acreditava, sim, que a energia que se coloca no preparo era capaz de alimentar os mundos invisíveis dentro de cada um. Era o que possuía de mais natural em si – ensinar e cozinhar, duas formas de alimentar os outros e a si – aquilo que sempre exigiu esforço nenhum. Não havia, quando cozinhava, tempo arrastado ou perdido, desânimo ou cansaço. Aquele era o mundo em que tudo era fácil e possível. Seu lado lógico concluía: resultado de muitos anos de observação e prática. Seu outro lado, aquele que ela mantinha em um velho baú de guardados, preferia visão menos cartesiana: afinal, por que haviam sido os sabores e aromas a lhe despertar a alma, desde tão cedo? Muito tempo atrás, gostava de imaginar que resquícios de uma longínqua existência, em que teria sido maga, daquelas de magia boa, rodeada por seus gatos, remexendo seus enormes caldeirões de poções de cura, recitando seus poemas para a lua e o sol, como feitiços para atrair energia de luz. Quando criança, era essa a imagem. Não deixava de ser um tanto mágico que, passados tantos anos, preservasse essa imagem guardada em si.

__Mariane Branco.

 

Imagem: Femme à sa cuisine, André Lhote.