A moça turista, levada a passeio, deslumbrou-se com as luzes da favela iluminando o breu da noite, na cidade que um dia foi maravilhosa. Diz, mesmo, que foram as luzes o que de mais bonito viu, até então. Pareceu-lhe nuvem de pirilampos formando coroa iluminada sobre a cabeça altiva do morro. A ti parece estranho… mas não sabes tu que olhos de viajantes são encantados, têm lentes polarizadoras que pintam a vida com cores de videoclipe?! Tampouco sabe a moça que, pela manhã, quando o sol brilha mais forte que todos os pirilampos reunidos, é possível ver outro brilho: o do sangue rubro, ainda quente, fazendo pintura de dor na face negra da mãe que já não é mais – nem mãe, nem gente, nem trapo, nem viva, ainda que respire em suspenso, guardando nos braços o corpo inerte e agora já frio do filho que deixou de ser. A moça ainda não sabe quantos breus são trazidos à luz quando o sol acorda e se derrama sobre as ruelas tortuosas que abrigam seus pirilampos. Em breve saberá, mas não por mim, nem por ti. Silenciemos, shhhhh… Deixemos que a moça adormeça em paz. E agora, entre nós, falemos baixinho, não acordemos a moça; que ela durma sono profundo, descanse seus pés de viajante e leve a passear a memória de seus olhos polarizados: que seus sonhos, como pirilampos, vaguem ao lume das ilusões, percorram ruelas e derramem pontos de luz sobre a cidade enturvada.
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