Tenho dó dessa gente tanta que acorda e vai ao trabalho e ganha o dinheiro e paga as contas e cumpre as obrigações e senta pontualmente para ver a bestialidade humana estampada no noticiário que desinforma, vê a novela e depois dorme – ronca – e acorda e vai ao trabalho e ganha o dinheiro e paga as contas e senta pontualmente e assiste ao mesmo noticiário, às mesmas bestialidades, permeadas por uma ou outra tolice e futilidades várias. Quarta tem jogo, pausa (não por acaso o jogo é no dia ponto médio da semana: passaram-se ontem e anteontem, agora só faltam amanhã e depois). Quinta acorda, vai ao trabalho, ganha o dinheiro, paga as contas e engole os deveres feito comprimidos, bebe um copo d’água para ajudar a descer e senta e vê o noticiário. Chega sexta. Viva! Para que serve a sexta? Não se sabe. Sábado chega, domingo também. Nada. Fim do dia tem jogo, precisa mais uma dose, senão ninguém aguenta. À noite, show de notícias. É importante conhecer bem o mundo em que se vive, importante ver o noticiário. Conhecer-se, conhecer os outros, viajar para dentro de si e para fora das fronteiras – de si e do lugar em que se vive? Não, essa gente tanta não viaja, o que importa é não cogitar muito de si e manter o lar, que há muito não é doce – e nem agridoce.
Pena danada de quem nunca se perdeu em uma hora de contemplação da lua, quem nunca foi testemunha do céu e de infinitudes, quem nunca teve de si apenas a mochila, a barraca e a água do rio, quem nunca deitou sob o céu do meio do nada, vendo estrela cadente uma atrás da outra, quem nunca se deu conta de que não tinha pedido a fazer para a estrela: estar ali era mais do que podia pedir. Pena imensa de quem nunca se sentiu parte do Infinito. Gente que só sabe de deveres – e também, sim, de seus direitos: vai à Justiça (e acha que ela é justa, quá-quá-quá) e cobra seus direitos, é importante fazer valer seus direitos.
Para mim, quero bem mais que os deveres secos, esturricados e amargos, desses que descem arranhando a garganta. Quero mais, até, que os direitos, mais que as gordas indenizações que não ressarcem pela vida não vivida. Para mim, em tudo, uma dose de deleite, por favor. Gelo? Não, obrigada. Deleite puro mesmo. Cowboy.
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