Peço à luz que tome teu pai nos braços e o embale, acalente e serene seu coração.
Peço à luz que tome tua mãe nos braços e a embale, acalente e serene seu coração.
Peço à luz que tome tua irmã nos braços e a embale, acalente e serene seu coração.
Vi que você, como eu, tem família-casa. Quem tem família-casa não tem receio dde receia ao mundo, pois guarda a certeza de que sempre haverá para onde voltar, certeza de que a casa estará conosco. Quem tem família-casa sabe que a casa se expande até mesmo a outras dimensões. Como você, sei o que é ter ninho.
Também entendo teu anseio por caminhos e trilhas, por pisar a Terra onde sua vibração ainda pulsa sem a contaminação de ruídos incessantes e fumaças gris; onde os céus são nítidos, a natureza se exibe exuberante e as pegadas brutas da humanidade não destruíram o solo. É anseio que sempre trouxe em mim. Por isso, jamais farei coro aos que te fazem culpada pela tragédia que te engoliu. Jamais farei coro aos que, com o coração empedrado por anos de amarguras acumuladas na inércia de um sofá, te atiram pedras. Esses que passam a vida vendo a vida alheia por uma tela e ditando verdades sobre a vida – principalmente a alheia: amargurados, empedrados, cinzentos, nublados, dignos de pena. Vi muita gente mesquinha destilando veneno que deve ter ferido teus pais, tua irmã, teus amigos. Feriram a mim, que até então nunca tinha te visto. Mas vi tanta – TANTA! – gente vibrando luz e esperança! Por mais que se sentisse assim – e sequer posso imaginar com que profundidade deve ter sentido assim – você não estava só. Havia milhares – milhões! – de nós com você, acredite.
Tenho, mais e mais, desacreditado de despropósitos, solidão e finitude. Não é porque eu não vislumbre alguns propósitos que eles não existam. Sempre desafiei minhas próprias crenças e descrenças com perguntas a mim mesma: se não há despropósitos, quem é que dita os propósitos (ou O propósito – talvez todos tenhamos um único)? Tenho conseguido fazer paz com a resposta que penso que sempre será a minha, resposta de mim para mim: “quem” é minha forma limitada de indagar sobre os sentidos maiores. “Quem” é limitado demais. Não almejo definir o imponderável e me incomoda a arrogância de quem arrisca tais definições. Não sei fazer afirmações sobre o que não sei e me incomoda gente que profere suas verdades individuais como universais. Tenho feito paz com minha incapacidade de definição. Por outro lado, mais e mais se consolida em mim a convicção sobre sentidos maiores que não ouso compreender.
Apegada a uma ótica limitada e não me permitindo sensos mais amplos, me recusei, naqueles dias, a pedir qualquer coisa para você que não fosse força, resistência, persistência na vida – como a maioria de nós a conhece e define. Acompanhei, dia após dia, tua luta e a luta dos teus. Me neguei a modular minhas vibrações, mesmo quando nos chegou a notícia de que tua casca já não se movia. Hoje sei: deveria, o tempo todo, ter pedido que a paz te abraçasse. Fosse qual fosse o desfecho, paz e serenidade te serviriam e torço que elas tenham chegado a você. Agora, desfecho posto, peço às asas da paz que tenham te envolvido e sigam te envolvendo; que, nas asas da paz, teu espírito livre ganhe o espaço. Tenho desacreditado de finitude para além da óbvia, material. Hoje, mais que ontem, se fortalece em mim uma convicção interior muito profunda sobre o que é perene, imorredouro.
Que no casulo que você deixou para trás e que muitos chamarão de você (mas não penso que seja e quero crer que você já sabe que não é), repouse todo o medo, toda a sede, toda a fome e todo o frio que possam ter te atravessado. Que a solidão e a angústia fiquem encapsuladas no casulo que já não te limita. Que as asas que são tuas – sempre foram e seguirão sendo – se abram e atravessem arco-íris como aquele que te envolvia na imagem bonita em que te vi sorrindo e tão plena de luz. Que teus pais jamais se culpem por terem te criado com asas. Foi com essas asas que eles te deram que tuas retinas foram ao mundo e testemunharam beleza infinita, beleza viva e vivida, que de sofá algum, entre quatro paredes, há de ser avistada e muito menos vivida. Essa beleza atravessou tuas retinas e fez morada em teu espírito. Teu sorriso largo me mostra que foi assim: vida plena, vida vivida. Algo me diz que teus pais e tua irmã também veem que foi assim – que É assim. Há espíritos que nascem e vivem para a amplidão. Negar-lhes a amplidão seria engaiolar pássaro feito para o voo. Que bom que teus pais te conceberam, criaram e hão de te ter sempre assim: pássaro livre. Voa, moça-pássaro, voa! A casa, agora, tem dimensão em mais que uma dimensão. Expande-se além das paredes, mora no que pulsa, no que acolhe, no que jamais se apaga. Não há fim.
Há voo.
E paz.
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