Alimento
para o corpo e para o espírito
Tenho compartilhado algumas das coisas que escrevo, coisa que antes eu não fazia. Não sou escritora e se me colocasse assim, me sentiria ferindo o respeito que tenho pelos escritores que admiro. Há aqueles que me fazem parar para reler uma frase várias vezes e, de maneira tão verdadeira, tão incontestável, tão brilhante traduzem o pensamento, o sentimento – o deles e o meu! Têm uma escolha de palavras tão sincera, tão original, tão precisa! Esses são escritores e sei quem são os meus escolhidos, aqueles que têm me alimentado ao longo da vida. Acho boa a sensação de repartir esse banquete e pretendo fazer isso aqui na página. Não quero ser professoral. A ideia é repartir o que me toca. Nessa hora, me sinto aluna dividindo o caderno com o colega. Vez ou outra, deve pintar algo escrito por mim, um pratinho mais básico, trivial, porque há quem me diga que se sente bem lendo minhas lembranças e pensamentos aleatórios. Aí me sinto bem também, porque é bom saber que a gente produziu algo que fez bem aos outros.
Tem também a cozinha. Sobre isso, então, que é uma grande paixão, e talvez aquilo que eu faça de forma mais intuitiva, eu raramente escrevia. Sempre achei que era impor, a gente demais, um tema muito específico. Ocorre, porém, que cozinhar faz parte de mim, de quem sou, desde que, ainda pequena, me enfiava lá na cozinha de casa e queria porque queria cozinhar também. Cheguei a frequentar alguns grupos de amantes da cozinha em redes sociais, mas aí me faltava algo: a troca se restringia a receitas, não era troca de afinidades. Algumas vezes, eu percebia no ar – talvez eu seja muito cri-cri – um quase concurso de quem está mais próximo de se tornar o mais novo chef-virtuoso-ainda-que-amador do pedaço.
Eu nunca pretendi ser chef. O que busco é a cozinha das cozinheiras de quadril largo, bunda grande, ancas generosas e cara brilhando com o vapor das panelas. Quero a cozinha que leva para nossas entranhas não só a comida, mas nós mesmos, aquela que nos faz viajar para dentro de nós. Para isso, o veículo pode ser um trivial purezinho de batata com carne moída, mas até pra fazer carne moída, tem jeitinho especial e é isso o que faz as pessoas embarcarem na viagem: o borogodó que só comida feita com afeto tem.
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"De vez em quando, Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo." (Adélia Prado)