Era uma mera explosão. As partículas ali envolvidas de nada sabiam, guardavam propósito algum além deste: o de serem partículas e indefinidamente vagar.

Era somente mais uma explosão, tão aleatória quanto tantas outras. Para esta, porém, conspiravam, cada um em seu canto, e sem saber que conspiravam, milhões de microeventos casuais e que, solitários, de nada valiam.  Juntos, unidos sincronicamente por misteriosas e intrincadas leis, descobriram-se singulares. Juntos, sintonizados, fizeram surgir mundos inteiros, expansões e galáxias, sem que disso tivessem consciência. Talvez, justamente na falta de consciência habitasse a promessa dos mundos que estariam por vir.

Em algum pedaço desses mundos, e talvez em outros, brotou o que se passou a chamar vida: primeiro, rudimentar; depois, evoluída, e uma dessas formas evoluiu quase a ponto de criar novos mundos e de produzir, acima de tudo, o que se passou a chamar beleza e aquilo a que se chamava sublime, de difícil definição por palavras e símbolos, mas notório à percepção dos que se mantinham conectados e dispostos a sentir – com a evolução havia também brotado isto: o sentir.

Juntos, sincronizados, sem muita consciência de si mesmos e unidos pelo sentir, os indivíduos que compunham tal forma poderiam alcançar o inimaginável. Aconteceu, porém, que eventualmente vários desses indivíduos, julgando-se superiores, desistiram de sentir, ignoraram bilhões de anos e esforços. Estes formaram nova forma, autointitulada superior, que decidiu pisar sobre todas as outras, e até sobre si mesma. Vários de seus espécimes passaram a vagar cegos, meros amontoados de partículas, com seus propósitos despropositados, guiados pelo que se chamava poder – algo sem muito sentido, mas que, por razões tão inexplicáveis quanto os efeitos de feitiços e bruxarias, a muitos era capaz de fascinar.

Até que um dia, esses espécimes conseguiram transformar todas as formas de vida em partículas isoladas, a vagar indefinidamente solitárias e sem propósito, como eles próprios. Talvez tenham conseguido, então, experimentar a forma máxima daquilo que costumavam chamar poder e tenham podido aplacar, por fim, sua imensa solidão.

 

Imagem: Max Ernst; Nascimento de uma galáxia. 1969.