De ontem para hoje, vejo pessoas indignadas pela comoção em torno do atentado em Paris, falando em indignação seletiva: reconhecem a tragédia ocorrida, mas cobram reação equivalente sobre a tragédia em Mariana. Cheguei a ver afirmações de que a tragédia lá na frança não é de nossa conta, com tanta desgraça por aqui. Agora vamos ter que usar régua para medir qual desgraça é mais desgraçada? Ou então medir a distância entre nós e a desgraça, para ter reação inversamente proporcional: quanto mais distante, menos deve nos comover.
A tragédia criminosa em Mariana – me recuso a chamar aquilo de acidente – tem efeitos devastadores, tanto para o ecossistema quanto para as pessoas que subsistiam na região. Vidas humanas foram perdidas e matou-se um rio inteiro, com toda a vida, fauna, flora que nele e em seu entorno existia, tirou-se o lar e ganha-pão de todos os habitantes de uma região. Tragédia causada por ganância, má gestão, ambição desenfreada, incompetência? Sei lá o que causa uma desgraça dessas, não tento mais entender o incompreensível.
Obviamente há culpados, que devem ser punidos exemplarmente e a força da mobilização popular é instrumento para que isso possa, talvez, quem sabe, ocorrer. Há perdas irreparáveis, e há pessoas que precisam reconstruir suas vidas. Precisam que olhemos para elas e que seu sofrimento nos comova. Emociona, entre tantas imagens, o vídeo da senhora idosa, produtora rural, olhando suas vacas naquele mar de lama, aos prantos, e lamentando: “Eu olho pras vaquinhas e penso: o que vai ser de nós agora? Não tem pra onde nós ir”. É comovente ver aquela pessoa irmanada, pelo sofrimento, às vacas que criava; reduzidas pela tragédia, ela e as vacas, a uma mesma condição. Por outro lado, ver a barbárie humana em sua forma mais crua, ver a total falta de apreço pela vida, a sua própria e a do outro, como aconteceu ontem em Paris, é ver o ser humano desprovido de humanidade e isso choca. Precisa continuar chocando!
Será que precisamos mesmo considerar hierarquias baseadas em fronteiras até mesmo para nos comover? Será que nem a dor é capaz de nos irmanar como humanos (e só isso: humanos)? Será que até nossa dor precisa ser xenófoba? Eu espero que não. Espero continuar me comovendo ao ver sofrimento, esteja ele em Mariana, na Síria, na África ou em Paris. Espero continuar me comovendo ao ver cidadãos croatas e húngaros levando água e comida para refugiados sírios chegando às suas fronteiras, por vezes desobedecendo seus governos, em nome do que julgam ser a atitude humana. Espero sofrer ao ver crianças mortas: sírias, brasileiras, africanas, norte-americanas ou europeias. São crianças, pombas! Assim como me comovi ontem vendo os cidadãos franceses abrindo seus lares para abrigar desconhecidos que não tinham como voltar para casa e taxistas desligando seus taxímetros para levar pessoas a locais seguros. Isso é ver gente sendo gente, reconhecendo no outro, seja de qual parte vier, seja em qual condição viva, um indivíduo da mesma espécie, que coabita o Planeta. O homem já estabeleceu tantas fronteiras – geográficas, políticas, religiosas – e tantos já foram mortos em nome dessas fronteiras… não ergamos, nós, muros e fronteiras também em nossos corações.
__por Mariane Branco.
Imagem: M. C. Escher; Laços de União.
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