Cassoulet é uma espécie de feijoada francesa, feita com feijão branco e há variações em seu preparo: já vi ser feita com confit de pato e linguiças ou com costelinha de porco, cordeiro e por aí vai. Isso nas versões mais tradicionais.
No meu quase cassoulet, abrasileirado, eu queria usar o que tinha em casa. Não sou essa pessoa chiquérrima que tem confit de pato pronto para o uso a qualquer momento. Pra ser bem sincera, tenho pena de comer pato. Mas e as galinhas, as vacas, os porcos? Eu sei, contraditório, mas um dia eu chego lá e ainda hei de não comer bicho, nem que seja em outra vida (porque nesta, a consciência trava uma luta injusta com a gula). Chego a ter períodos de vegetarianismo, tipo: volto de uma fazenda onde se cria gado e onde fiz amizade com as vacas, aí passo um tempo sem comer carne, porque na hora H lembro das vacas e aí não desce. Depois a danada da gula vai embaçando a memória… Bem, para infelicidade dos porcos, é bem fácil que um brasileiro que curte cozinhar tenha à mão bacon, linguiça de porco defumada, paio. Foi o que usei. Eu também tasco uns legumes e verduras no dito, porque minha mãe faz assim e o que aprendi com minha mãe, não mudo. No dela, as carnes variam e podem chegar ao brasileiro extremo – o que faria um francês careta dar uma surra nela e um francês bacana lamber os beiços – quando entra dobradinha cortada em tiras fininhas (que é aquele negócio que a gente só come se for a mãe da gente que fizer) ou mocotó (que ela faz cortado em cubinhos miúdos, também gosto do jeito que ela faz).
O meu foi assim:
– 1/2 kg de feijão branco, que ficou de molho de um dia para o outro
– 4 dentes de alho
– 1 talo de alho poró
– 1 cebola picadinha
– 2 folhas de louro
– caldo de carne ( o suficiente para cozinhar o feijão)
– 1 linguiça de porco defumada, fatiada em rodelas
– 100 g de bacon em cubinhos
– 1 paio fatiado em rodelas
– 1 cenoura grande cortada em rodelinhas
– 3 tomates batidos
– 4 folhas de couve cortadas em tiras
– pimenta-do-reino a gosto
– 1 c (sobremesa, rasa) de açúcar
– sal a gosto
– salsa e cebolinhas picadas
Cozinhei o feijão branco no caldo de carne com o talo de alho poró, dois dentes de alho e 2 folhas de louro, na panela de pressão, por 25 minutos. Não é pra deixar o feijão macio demais: ele vai terminar de cozinhar com o restante. Enquanto cozinhava o feijão, dei uma fervida rápida nas carnes (minha mãe ferve, eu fervo também), escorri a água, reservando um pouquinho para a couve, mais tarde, e numa panela de ferro, fritei-as em sua própria gordura, começando pelo bacon. Juntei a cebola picadinha, os 2 dentes de alho restantes espremidos (ganhei um espremedor luxo da minha tia, que além de lindo, espreme o alho até não sobrar nada) e refoguei. Juntei a cenoura, refoguei mais um pouco e então despejei o feijão e os tomates triturados com a colher de açúcar (minha mãe sempre põe açúcar em sopas e cozidos, eu ponho também). Ajuste o sal, se necessário. Adicione a pimentinha do reino e deixe cozinhando. No final, quando o feijão já estiver cozido, refogue a couve em um fio de azeite, some a salsa e cebolinha e um tiquinho de alho (o refogado antes de jogar na panela vai fazer o verde da couve acordar, fica mais bonita e gostosa), acrescente um tantinho do caldo do cozimento das carnes e junte ao feijão. Fio de azeite em cima, arroz branco fresquinho e felicidade. Isso é viagem garantida na memória, lá pra casa da mãe, em dia de frio.
No cassoulet mais tradicional, polvilha-se farinha de rosca ou farelos de pão por cima e leva-se a panela ao forno destampada, para formar uma crosta. No meu quase cassoulet, comidinha do dia-a-dia, pulei essa etapa. Uma coisa importante quando a gente faz esses pratos cozidos é dar uma refogada nos legumes e verduras, à medida que vão sendo somados ao caldo, senão fica um monte de legume sem gosto boiando lá no meio daquele caldo sem graça e aí não é comida de mãe, não. Pelo menos, não da minha!
Sobre “Quase Memória”: se não leu o livro do Carlos Heitor Cony, leia! É uma delícia, do início ao fim; desses livros que, contando o retorno do autor a suas origens, nos transporta às nossas próprias raízes. Ganhou prêmio Jabuti lá nos idos de 1996. De vez em quando releio e sempre me divirto.
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