Sonho bom. Deixo o trabalho e o carro toma rumo diferente, meu olho brilha: Oba, vamos passear! Tomo a ponte e não sei de onde aonde ela vai. Não importa, a experiência da travessia é muito maior que de onde vim ou para onde vou. Na ponte, para todas as direções em que o olhar se debruça, tudo é mar e sol. A água é azul-esverdeada-cristalina, o céu é dourado e há pedras de um Arpoador que não é, mas é, só que em outro lugar no meio do mar, com suas pedras submersas visíveis por baixo da água que brilha. Reconheço as pedras em que gosto de me sentar. Estico o braço para fora da janela do carro e meus dedos tocam a água e é gostoso sentir sua travessia entre meus dedos: movimento. A arraia gigante passa rente e ondula para me saudar: nos conhecemos, sorrio. Faço carinho no dorso do golfinho, tudo isso com meu braço esticado, eu de dentro da janela do carro e me causa estranheza poder tocar o mar de lá de dentro, mas não quero aprofundar estranhezas e a elas dou pouca importância – ali é bom e isso me basta. Avisam: Cuidado, também tem tubarão. Não ligo. Se o tubarão vier, faço carinho nele também e sei que ele vai gostar. Talvez venha junto a baleia azul, que há tanto busco encontrar. A sensação da água passando entre os dedos é plena e não quero perdê-la em distrações com temores vãos. Ao redor, acima e abaixo, sol, luz, água, cores. Procuro o botão REC para gravar o sonho, não encontro. Talvez assim nasçam cineastas e eu nunca havia pensado: cineasta vem da vontade de que outros sonhem seu sonho e agora eu entendo. Quero que os outros atravessem a ponte que leva do nada a lugar algum e que, nela, sintam a água entre os dedos e a felicidade do toque no dorso do golfinho em mar aberto, que só sabe quem o acariciou. Eu sei.
Sonhar é bom, porque no sonho se sabe como devia ser vivida a vida que insistimos em não viver: o sonho nos dá vivência da beleza que não sabemos haver em nós. Procuro, em oceanos de imagens, a imagem perfeita que guarde meu sonho, para sonhá-lo de novo, quando quiser. Não encontro. Ninguém, além de mim, sonhou meu sonho. Boto placa na porta: procura-se quem traduza sonho em imagem. Terceirizo a tradução do sonho, que não sei fazer. Só sei sonhar e, às vezes, sonhar não basta.
Arte: Moved on to the peace land. Anto Machado.
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