Hoje o dia amanheceu nublado, como nublados andam meus olhos. Eu sei, a gripe faz isso com a gente, fica tudo embaçado, inclusive a vontade… de levantar, de comer, principalmente a vontade de tentar mudar o mundo. Tomo o remédio que me põe sonolenta, durmo, sonho mundo bom, nele estamos juntos – em meu sonho, ainda há vontade. Acordo: sonhei, o dia lá fora é nublado, aqui dentro também.
Bem mais que a gripe, tem me nublado os olhos pensar qual terá sido a bifurcação no caminho que nos levou para tão longe de nós, tão longe do que éramos, aquela bifurcação que, a princípio, pensamos ser duas vias alternativas de acesso a um mesmo destino, mas acabou nos levando a pontos tão diametralmente opostos. Lembro quando a gente um dia se abraçou e chegou a acreditar que tudo era pra sempre, mas a canção estava certa: o pra sempre sempre acaba. Chegar à constatação do fim tem embaçado meus olhos. A gente se abraçava e ia à praça, com os mesmos anseios. Era tempo de estar juntos, cantar juntos, pulsar juntos, amar juntos. A gente se abraçava, então, e dizia que sempre estaríamos juntos. Até então, de certa forma, tínhamos conseguido, mesmo distantes. Depois, não sei bem quando, não mais.
Queria entender em qual ponto do caminho você achou natural abraçar o lado triste da vida, esse lado tão desprovido de amor, de beleza, de compaixão e de aceitação, entender em qual ponto você viu caminho nos descaminhos da brutalidade. Queria voltar na estrada e estar lá, naquele ponto exato, te abraçar forte e não te deixar tomar essa via escura, sombria, porque me entristece ver você, um dia espírito livre, cantando a não-liberdade. Queria estar lá, naquele ponto, e te fazer acreditar de novo na delicadeza e no amor. É isso o que tem nublado meus olhos. É que eu queria que a gente tivesse continuado a acreditar no amor, pelo menos isso, e te vejo acreditando no que acredito ser, justamente, o não-amor, o reverso do amor. Queria poder colocar minha mão em teu peito e reacender a luz que eu sei que existe, porque foi luz que iluminou parte dos meus dias, um dia, como sei que iluminei os teus. Eu lembro quando te abracei um dia e te fiz prometer que sempre estaríamos juntos. Isso tudo, num inverno distante. Depois, varias estações vieram, mudaram as estações e eu sei que muita coisa aconteceu.
Por isso ando nublada: porque há, por trás das nuvens, os rostos vários que se misturam, me lembrando do que foi e não é mais, nunca mais será.
Deixar um comentário