Não é viralatismo, não. É reconhecer que a escrita de Clarice Lispector merece ganhar o mundo. Merece, ainda hoje, ganhar o Brasil, para muito além das frases de autoajuda muitas vezes atribuídas a ela e alardeadas levianamente nas redes sociais. Clarice é profunda e a superfície rasa deste ambiente aqui, em que um clique sucede ao outro, num passeio muitas vezes errático e sem preocupação em guardar bagagem, não a comporta.
Clarice é mergulho profundo e não vejo como fazer esse mergulho sem se entregar à sua obra, sem virar traça escarafunchando e ingerindo suas palavras, suas escolhas inusitadas, mas perfeitas, de analogias. A escrita de Clarice é, ao mesmo tempo, prolixa e precisa. Ninguém foi, como ela, capaz de escrever o sentimento. Ao menos, ninguém foi capaz de me traduzir em palavras, como ela. Nem eu mesma. Clarice tem a capacidade de me contar como me sinto.
Sempre que se fala em Clarice, fala-se em sentimento, emoção. Claro, afinal ela era, toda ela, emoção. Sensíveis e emotivos, somos muitos. Transformar esse caldeirão em linhas requintadas, elegantes, em prosa que exibe inteligência rara, isso não é para muitos. A escrita de Clarice Lispector é de um refinamento tal a ponto de receber elogios comparando-a a Virginia Woolf e James Joyce, agora que ganha a capa da “New York Book Review”, feito jamais alcançado por um brasileiro.
O mundo a descobre quase 40 anos após sua morte. O Brasil continua em dívida com ela. Clarice merece bem mais que citações descontextualizadas ou, pior, indevidas, remetendo unicamente ao universo da autoajuda.
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