Ah, Drummond… vontade de sentar contigo, em silêncio longo, tomar café coado em coador de pano, te trazer Itabira na xícara. Depois começar prosa lenta, com cautela, respeitando o ritmo do teu silêncio, até finalmente ter coragem de te perguntar: em qual arquivo te guardavas, logo após bater o ponto na repartição pública? E quem era esse outro que te assumia? Desconfio que tu, o tu de verdade, era aquele trancado no arquivo, o que foi expulso do colégio por insubordinação mental. Gosto mais dele, mas tenho pena. A vida do subordinado e burocrático batedor de ponto me parece mais fácil. Talvez quisesse que tivesses sido só ele, o subordinado. Por quê?! Ora, porque te gosto e acho que talvez tivesses sido mais feliz assim. Tão poucas vezes te vi dar sorriso que não fosse sorriso acanhado, tristonho… era quase sempre sorriso de lado, como se só te permitisses meio sorriso, meia alegria, e eu queria que tivesses alegria e meia. Desconfio que tua tristeza vinha da traição diária ao menino insubordinado mental, que trazias trancado no arquivo. Então queria que o tu de verdade fosse o outro, porque é bom ser corriqueiro. O corriqueiro é aceito, porque é igual. Já o trancado, não. O trancado é esquisito e esquisito é ruim, é o que me dizem. Esquisito incomoda, porque faz os iguais desconfiarem que podiam ser diferentes. Os iguais não perdoam quem lhes mostre que podia ser diferente. Acho que tu mesmo não te perdoavas.
Imagem: Drummond na repartição, por Madame Y.
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