Continuavam a lhe pedir que escolhesse entre o mundo dos números e o mundo das letras. Desejava pertencer a outros tempos ou outros mundos, nos quais não houvesse escolhas desnecessárias. Para ela, era tão natural quanto o conjunto numérico mais fundamental: os números sempre habitariam sua cabeça. Eram eles os donos dos padrões do mundo externo que, desavisado, insistia em obedecer-lhes. Os números sempre guardariam em si – e nela – o fascínio por saberem a existência de ordem em meio à pretensa desordem. E o fascínio estava justamente em que nem os números soubessem de onde viria a chave para esse conhecimento: como podiam guardar, os números e as equações que os filtravam (que eram formadas por letras e outros números), a chave para a verdade oculta sob a verdade aparente e caótica? Tudo, então, seria padrão, alguns descobertos; muitos outros mais, encobertos?

Quanto às letras? As letras sempre habitaram seu peito e ela se lembrava da primeira vez em que elas se uniram e fizeram sentido, de uma hora para outra, do nada. Desde então, ainda que tentasse trancá-las em baú fechado, elas forçavam, esmurravam a tampa, rompiam cadeados. Enquanto não irrompiam, sufocavam seu peito, sua garganta, como se o peito fosse o próprio baú. As letras a habitavam, antes mesmo que ela soubesse quem seria a pessoa que habitaria a si mesma.

Para os números, a revelação da ordem em meio ao caos; para as letras, tudo aquilo de que os números não dessem conta. Letras e números, somados: o todo.