Lembro bem o dia em que li no livro de Matemática e, embora tenha até visto prova, tive dificuldade em acreditar: “Paralelas são retas que se cruzam no infinito”. Retas que se cruzam no infinito… Ora, infinito é o lugar das abstrações! De que adiantam os encontros no infinito? Pensei quão sonhador deve ter sido o matemático que deu origem a tamanha ilusão. Talvez – e tive pena – precisasse acreditar em algum encontro no remoto infinito, encontro que o finito do que se vive e do que se é não comportaria.
Em “Paralelas”, de dentro do carro, Belchior quase em delírio gritava repetidas vezes pelas ruas molhadas da cidade, a alguém que não o ouvia, que talvez jamais o tenha ouvido: “Teu infinito sou eu, sou eu, sou eu, sou eu”. Belchior talvez tenha, por fim, perdido o juízo de tanto sonhar com o infinito. O infinito pode fazer alguém perder-se de si.
Mais tarde, li nas linhas suaves de Manoel, o sonhador das verdades cruas e simples: “A reta é uma curva que não sonha”. Os matemáticos concordam – e provam – que retas são curvas. Matemáticos, afinal – e poucos sabem disso – são tão sonhadores, vivem num mundo de abstrações! Por formação e ofício, tenho cérebro que acredita na Matemática e em suas provas, mas, em mim, a verdade “atrás do que fica atrás do pensamento” (como aprendi com Clarice) é que nunca vi reta que se curvasse ao que quer que fosse, como nunca vi paralelas que se encontrem. Talvez no infinito haja invenção de uma matemática diferente, em que caibam outras definições que comportem as felicidades possíveis. Talvez paralelas sejam retas que ousam, um dia (antes que chegue o infinito, quando só restam pontos de pó), curvar-se ao sonho.
Foto: Caminhos paralelos, Álvaro Roxo.
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