Vivemos num mundo que nos convida à incessante interação, à ininterrupta alegria, a estarmos sempre atentos e fortes e, principalmente, a aparecermos bem na foto. Precisamos estar todos presentes, bem dispostos, alegres, o tempo todo. Pois há, aí, um enorme paradoxo: no momento em que me apresento ao outro, apresento-me para a troca – para dar e, com sorte, receber. Acontece que o que cada um tem a dar é construção individual. O que tenho a dar é o que me faz ser indivíduo neste mundo, fruto de meus blocos internos de construção. Mas se não dedico tempo algum à introspecção, ao conhecimento daquilo que me precedeu e ao conhecimento de mim mesmo, o que tenho a oferecer? E, ainda assim, além do conhecimento, se não me permito sentir, verdadeiramente sentir, ainda que muito conheça: o que tenho a oferecer e o que realmente me permito receber?

O desenvolvimento do conhecimento e da sensibilidade passa pela introspecção, mas aqueles dados à introspecção muito ouvem: “Anda sumido, quase não te vemos!”. Será que as pessoas andam realmente se vendo, se enxergando? Talvez estes, que passam várias horas ensimesmados, mergulhados em seus livros, discos e reflexões, queiram, sim, o encontro. Mas talvez não precisem de tantos encontros, com tanta gente, em que tanto se fala, tanto se exibe e quase nada se troca. Talvez prefiram menos encontros, mas que sejam encontros reais. Não que a vida seja feita apenas de encontros profundos, com grandes discussões filosóficas, mas a ausência total de verdadeira troca cria, cada vez mais, espaços vazios. Amontoados de ‘amigos’ nas redes sociais, necessidade autoimposta de mais prestar conta de hábitos e atitudes e nada preenche o vazio. Na ânsia de preenchê-lo, vão-se acrescentando mais e mais pessoas, mais e mais eventos sociais, mais e mais marcações na agenda. O existir parece passar a ser pautado pela percepção alheia sobre nossa existência: “Se os outros acham que estou bem, devo estar”. Mas o que acontece, como me sinto, quando sozinho, em companhia de mim mesmo? Esta deveria ser a medida única de bem-estar.

Ousemos ser estranhos! Ousemos curtir nossa própria companhia e a de velhos escritores! Ousemos gostar do filme, do artista e da música que todo mundo acha esquisitos. Ousemos ir ao encontro de nós mesmos, apesar de tudo aquilo a que nos incentiva a sociedade frenética em que vivemos. Ousemos ir contra a corrente. Tenhamos a coragem de não estar presentes em alguns momentos e até em vários, mas quando estivermos, estejamos, de fato, presentes! Possamos presentear os outros com o alimento que nosso isolamento produziu. Tenhamos o que ofertar à mesa desse grande banquete que é a troca estabelecida quando há verdadeiros laços humanos. E, principalmente, estejamos dispostos para essa troca, disposição que pressupõe dar e receber, falar e ouvir, ser respeitado e respeitar.

 

Sugestão para alguns momentos de isolamento:  Zygmunt Bauman, Amor Líquido – Sobre a fragilidade dos laços humanos. Ed. Zahar.