Poesia, hoje sei:
desaguar do excesso
do que não coube,
transbordamento.

Depois da cheia,
jorrar incessante,
vazante do todo.
Medo: vazio sem fim,
secura em mim.

Deserto. Sequei?

Andei as dunas, lá cogitei
da só existência da areia que o vento
carrega bem longe…
até a que agora era sob meus pés
e eu – besta, eu – pensava ser minha.

Nada é meu, tampouco aquilo
em que hoje me finco.
É lei, bem sei: tudo vai… fica a sede.

Já ia cansada, areia é o que há,
areia não para, só sabe partir
aonde o vento levar.

Miragem azulada (ou verde, não sei).
Lagoa ontem era – como eu, também ela –
seca de tudo e a chuva irrigou.

Lagoa é tão maior que eu!

Lagoa bem sabe:
é preciso secar,
findar ciclo findo
parir recomeço.

Lagoa seca,
bicho dejeta,
larva do inseto
come o dejeto,
chuva rega
lagoa renasce
estica o braço
dá a mão ao rio
colhe com a mão
um peixe vadio
que desce o rio,
casa com o peixe
que, ovo na seca,
a chuva fecunda;
povoa a lagoa
engole a larva
futuro do inseto?
ora incerto…
resta o que é certo:
de novo a seca.

Agora é deserto,
onde, ontem, cheia
onde, ontem, peixe
n’água cristalina,
onde ontem, no nado,
o peixe danado
beliscou meu pé.
Senti o belisco!
Se sinto, estou viva.
Peixe come inseto,
ontem mesmo larva
que se alimentava
do que era dejeto
no seco de mim.

Hoje, transbordo.
É cheia, enfim.
Acolho a chuva
que invade a placenta.
Renasço, gestada
do seco de mim.