É bonito ver os efeitos do exercício do tempo, esse exercício lento e silencioso de acomodar os dias sobre outros dias, como se acomodam lençóis bem cuidados em armários que exalam cheiro bom e que têm as portas abertas para o ar fresco entrar.

Um dia ela ouviu – e foi afirmação espontânea, sem nada que a induzisse – que ela era livre demais e que não cabia em caixas. Ficou feliz ao ouvir isso naquele dia, naquela altura de sua vida; ficou feliz por descobrir que sua liberdade ainda pulsava, liberdade que lhe era tão cara, feliz por ainda estar viva sendo quem sempre foi.

Houve tempo em que duvidou. Houve tempo em que entristeceu, ao ver tentativa de encaixotá-la, e quase aceitou que talvez devesse ser isso o certo, quase aceitou que devesse encolher-se para caber em alguma caixa fechada… chegou a achar que talvez devesse tornar-se invisível. Tempo passou, foi dobrando suas camadas de dias sobre outros dias com cuidado, colocando ordem nas prateleiras da vida, e a fez ver quão tolos eram os que tentavam encaixotá-la, não a conheciam. Quão tola foi ela, ao dar qualquer valor àquelas tentativas, ao que quisessem fazer do que pensavam ser ela. Não tinham esse poder. Dela, só ela mesma tinha o poder de fazer qualquer coisa – o que quisesse – e ela não queria caixas fechadas. Eles que guardassem a si mesmos dentro de suas caixas de Pandora, temendo eternamente o que pudesse vir a sair de lá, trancados com suas vãs esperanças que não ousam realizações. Dentro das caixas é oprimido e escuro. Quanto a ela, escolheu a liberdade, o ar, a luz. O futuro é aberto, iluminado e sem bordas. O futuro não cabe em caixas.