A espera foi longa e todos os dias perguntava, ao cruzar a portaria:
_ Chegou encomenda para mim?
_ Não, ainda não.
_ Caramba, como demora!
_ Pois é, os correios não são mais como antes, nada é.
Toda noite cruzava a portaria e não precisava mais perguntar, lá vinha a resposta para a pergunta não feita:
_ Ainda não.

Hoje, enfim, quando chegava, precisando tanto de algumas flores em seu caminho, lá estava ele: o pacote. Não conseguiu se conter, já foi abrindo no elevador. Fez logo um rasgo que permitisse ver pedacinho de conteúdo: estampa florida, era ele! Em casa, correu para experimentá-lo. Nossa, que dificuldade, quantos botõezinhos! Fundo preto, flores coloridas, alguns pavõezinhos e uma cordinha de seda vermelha retorcida, para amarrar na cintura, com duas pontas em franjas. A frente, mais curta; atrás, longo, com cauda arredondada terminando em babado: cauda do pavão. A estampa, linda, ia brotando dos ombros e abria-se, ficando mais exuberante, até a cauda. Lindo, lindo!

De repente:
_Ai, meu Deus, fiz de novo! Dessa vez, comprei fantasia de dançarina folclórica mexicana! Como é que eu não vi isso na hora em que cliquei “confirmar”?
Sentia-se feito o gago que aprendeu trava-língua de que se orgulhava, aquele que saberia ostentar com propriedade, mas não arranjava conversação onde encaixar. Nas conversas, sem ver brecha onde coubesse o trava-língua, gaguejava.

Admitia que, na hora da compra, havia superestimado os próprios peitos (talvez seu subconsciente já tivesse embarcado na viagem de dançarina mexicana antes que seu consciente embarcasse): precisaria de algum ajuste ali. A cintura também podia ser menor um pouco e disso, gostou. Mas era lindo! Tão lindo quanto aquele outro, que ela amou quando viu e mandou vir da Tailândia, não importava o tempo que levasse. Esperou meses. Era – é, ela o guarda ainda – vermelho, cheio de dobraduras e quando se olhou no espelho com ele, pensou: fantasia de origami… ou habitante de outro planeta. Ela continuava achando lindo, mas nunca o havia tirado do armário, não encontrava a conversação para ele. As gentes por aí o veriam como trava-língua sem sentido… Achava sempre que poderia usá-lo em um dos encontros com Marisa. Marisa, com suas pulseiras, seus colares, seus turbantes e seu passado de bailarina flamenca, a entenderia. O problema era que, na última vez em que se vestiu assim para encontrá-la, Marisa quis inventar sessão de fotos e para isso lhe faltava talento. Admirava quem soubesse o que fazer diante de uma câmera, quem soubesse o que fazer diante da câmera de Marisa, ela não sabia.

Para este que chegava agora, pensou que podiam inventar uma nova exposição da Frida. Se tivesse que reencontrar Frida, não haveria outro: iria com ele, Frida iria gostar. Viu-se vestida com ele caminhando pelos cômodos da Casa Azul e achou que era perfeito. Pronto. Seria o vestido florido guardado para a Casa Azul.

Perguntou-se por que ainda os comprava, por que sentia alegria tão grande quando os recebia, se os guardava por tanto tempo no armário, com este não seria diferente. Olhou-se novamente no espelho, demoradamente. Comprava-os porque, ao olhar-se no espelho vestida com eles, reconhecia-se. Que ela continuasse a reconhecer-se no espelho, lhe bastava. Há que se ter sempre uma parte de si guardada no armário; não por medo de opiniões alheias, retraimento ou vergonha de si: partes guardadas para as ocasiões especiais, aquelas para as quais nos preparamos com antecedência. Olhou-se de novo. Sorriu.