Ela me perguntou se não me assusta a ideia de ter marcas definitivas na pele. Não, nunca me assustou. Tenho aquelas nas pernas, que me lembram as molecagens da infância, tenho a outra que foi necessária para extirpar de mim o que era ruim, que eu aprendi a chamar de “meu segundo sorriso” (sou grata a ela por ter me livrado do mal que havia ali por trás), há aquelas deixadas pela catapora da infância e as outras, que a adolescência, com seus hormônios descontrolados, me trouxe. Lembro de Daísa, tão querida e fiel amiga de minha mãe, me fazendo limpezas e mais limpezas de pele – ela tinha pavor de que meu rosto ganhasse marcas. Ao final de cada sessão estética, me lambuzava a cara com uma pasta cicatrizante que logo virava quase uma camada de cimento e me recomendava, séria: “Agora não pode rir”. Bastava o filho dela – companheiro de cavalos disparados morro abaixo e escapadas em pedalinhos – olhar para mim e nós dois caíamos na gargalhada. Aquele negócio cimentado craquelava todo e ela me dizia, séria: “Pronto, agora vai ter marca de acne e um monte de rugas!”. A gente ria mais.

Nunca temi as marcas na pele, nem essas que o tempo traz, cada uma a seu tempo, mais e mais, e nem as que são gravadas intencionalmente na pele, como marcos de momentos ou de transição entre ciclos. Desde que haja história de fato vivida associada às marcas, desde que elas guardem histórias e vivências importantes para seu portador, as marcas me caem bem, são marcos. Aprendi, com cada uma delas, a seu tempo, que seu aspecto depende grandemente de como cuidamos da cicatrização das feridas que as originaram. Ignorar a ferida, fingir que ela não existe, não costuma gerar boa cicatriz; tampouco cutucar a ferida desnecessariamente. O mesmo vale para as marcas mais sérias, que aprendi a temer: as que se podem criar lá por dentro da gente. Nunca quis e continuo não querendo cicatriz fibrosa queloidando por dentro de mim. Por isso aprendi que é necessário tratar as feridas internas: para que, em seu lugar, restem apenas marcas suaves, que não deformam o nosso aspecto interior, que guardam em si alguma história e, principalmente, aprendizado. Marcas que tornam-se brandas porque foram tratadas como deviam e não distorcem – ao contrário, aperfeiçoam – as feições mais importantes que trazemos, aquelas não visíveis aos olhos, mas que nos fazem ser quem realmente somos.