Quando ainda era estudante, eu e um grupo de amigos às vezes saíamos da universidade, às sextas, e íamos explorar a Lapa, ver o que a cidade tinha a nos oferecer. A verdade é que a gente aceitava quase tudo que ela nos oferecesse, desde que fosse bem baratinho. Houve um tempo, nessa época, em que a Sala Cecília Meireles abrigava shows de fim de tarde/início de noite, a preços bem razoáveis para os bolsos de estudantes. Num desses, era Geraldo Azevedo quem ia se apresentar e a gente foi em peso. Havia uma turma – eu incluída – que curtia muito esses nordestinos talentosos: Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Zé Ramalho, Ednardo, Belchior e o povo mais de raiz – Vital Farias, Xangai e aquele a quem reverenciávamos, o erudito Elomar. A gente queria conhecer o que pudesse da música feita no Brasil e achava que conhecer música brasileira passava, necessariamente, por conhecer o trabalho desse pessoal. Onde algum deles tocasse, no Rio, a gente descobria e ia. Naquele show do Geraldo Azevedo, era verão, calor escaldante, e um dos nossos foi barrado na entrada, por estar de bermuda. Sei lá como, Geraldo Azevedo ficou sabendo do imbróglio e foi lá, ele mesmo, pedir que lhe liberassem a entrada, e assim aconteceu.
Lá pelo meio do show, havia um músico convidado. Geraldinho chamava o sujeito ao palco e ele nada de aparecer, ocupado sabe-se lá com o quê nos bastidores. Geraldinho não conversou: “Minha gente, tô achando que “fulaninho” – não consigo lembrar o nome, mas era no diminutivo que o tratava – veio de bermuda e vai ver que não deixaram ele entrar também!”. A gente gargalhava tecendo teorias sobre sua demora. Foram várias, até que o sujeito finalmente apareceu, leeento, sorrideeente, e chegamos todos a um consenso. Tocou pra caramba, como todo mundo naquela noite de verão. Proporcionaram um dos momentos mais bonitos de que me lembro ter vivido em um show: a Sala lotada e Geraldo começa a levar a Suíte Correnteza (Barcarola do São Francisco/ Talismã/ Caravana). Quando chegou em Caravana, a Sala explodiu: era a Sala in-tei-ra cantando em coro (com aquela acústica fantástica da Sala), as pessoas ondulando todas, juntas, de um lado pro outro e a gente via a plateia transformada em mar. Foi lindo, aquilo, verdadeiro sonho de uma noite de verão. Voltei a assistir a outros shows de Geraldo, até maiores, com maiores públicos. São sempre shows ótimos, mas momentos como aquele, nunca mais vi. Talvez o momento tenha acontecido dentro de mim; talvez não – tenha havido mesmo uma sinergia tal entre as pessoas ali presentes difícil de ser replicada. É lembrança boa, calorosa, daquelas que alguns verões são capazes de deixar em nós.
Foto: Marcus Moura.
Deixar um comentário