Você bem sabe, Verão,  nem consigo disfarçar, não é você  meu preferido. Meus mimos são todos para a estação-mulher e seu primo  mais gentil, com suas cores difusas e árvores desprendendo as folhas que já não podem mais ficar, promovendo um delicado ritual de deixar ir, criando tapetes pelas praças. Já você, meio estabanado, chega sempre severo demais, queima os gramados, me deixa sem força, maltrata as meninas de que cuidei o ano todo, rouba-lhes o verde, enruga-lhes as flores. Há também meus meninos, prostrados, colando suas estiradas barrigas felinas nas jardineiras recém-regadas e buscando pedrinhas de gelo, qualquer coisa que os faça voltar a sentir vontade de correr destrambelhados pela casa. E é um tal de “Que calor duzinferno” daqui, e arrastões seguidos de manifestações segregadoras de lá, e absurdas  propostas de cobrança de ingresso em praia, e “Que droga de árvore cafona que traz essa gentalha pra Lagoa”.

Todo mundo mostrando a bunda nas praias – no que não há vergonha, cada um que mostre o que quiser – e aproveitando para mostrar, junto, o que tem de pior lá dentro de cabecinhas encasteladas. Mostrar peito não pode, mas a falta de gentileza que vai dentro do peito é posta pra fora aos borbotões. Parece que não há sossego, só teu furor deixando todo mundo melado, poros dilatados, tua quentura queimando os miolos das gentes, fazendo, de uns tantos, massas inertes, assumidamente derrotados por tua falta de delicadeza; de outros, criaturas ensandecidas. Não nos esqueçamos do medo que desperta em todos nós: o pavor da conta de luz!

Confesso: há momentos em que te detesto, te xingo, esbravejo, quero te mandar lá pr’aquele lugar. Aí penso no pôr do sol no Arpoador e vou dando de cara com os flamboyants em brasa pela cidade toda. Feito mulher de bandido, sem-vergonha, te perdoo e peço que fique um pouco mais.

__Mariane Branco.

 

Foto: Daniel Alvarez Arribas, daqui.